Segundo a revista, as pessoas que entram para a lista podem ter feito descobertas surpreendentes, chamado atenção para questões cruciais ou até mesmo ganhar notoriedade por ações controversas. Não é um prêmio ou uma classificação, mas são pessoas que tiveram seu momento na ciência neste ano que já chega ao fim.
Ricardo Galvão: defensor da ciência
O físico brasileiro Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ganhou destaque no cenário internacional após ser acusado pelo então presidente, Jair Bolsonaro, de mentir sobre os dados de desmatamento da Amazônia. Galvão, em sua resposta ao governante, defendeu os cientistas do INPE, afirmando a veracidade dos dados e, no final, terminou sem o emprego. Segundo a revista, porém, o que o cientista não esperava era se tornar um herói, sendo aclamado por colegas e até por desconhecidos na rua. Ele retornou para a Universidade de São Paulo, mas percebeu, após as mensagens de apoio e agradecimento que recebeu, que tem a responsabilidade de “continuar advogando pela ciência”.
Victoria Kaspi: investigadora do céu
Em 2017, a experiente astrofísica Victoria Kaspi ajudou a construir o radiotelescópio do projeto Canadian Hydrogen Intensity Mapping Experiment (CHIME, ou “Experimento Canadense de Mapeamento de Intensidade de Hidrogênio”, em português). Este ano, o CHIME se tornou o melhor caçador de rajadas rápidas de rádio (FBRs, na sigla em inglês) do mundo. A FBR consiste em um pulso de rádio intenso e rápido, ainda meio misterioso para a ciência. Embora o projeto conte com vários outros astrônomos, Kaspi teve um papel fundamental ao fornecer ao CHIME recursos de detecção das rajadas rápidas de rádio. Ela pensava em como o radiotelescópio poderia estudar estrelas de nêutrons em rotação rápida quando percebeu que a sensibilidade e o campo de visão do aparato poderiam ser ideais para detectar FBRs, se fosse ele atualizado. A meta da cientista e sua equipe era grande, mas eles conseguiram realizá-la e adicionaram outro instrumento e poder computacional ao CHIME para que ele fosse capaz de coletar dados 1.000 vezes por segundo em 16.000 frequências diferentes. Ainda, Kaspi, principal investigadora de FRB do CHIME, conseguiu, este ano, uma doação de 2,4 milhões de dólares para construir a telescópios que ficariam a 1.000 quilômetros do CHIME e ajudariam a identificar as FRBs.
Nenad Sestan: reiniciador de cérebros
O neurocientista Nenad Sestan ficou com um título meio inusitado, mas que faz sentido quando olhamos para o foco de sua investigação: reviver cérebros de porcos. Essa história, que parece estranha, começou em 2016, quando outros pesquisadores da sua equipe descobriram atividade elétrica em cérebros retirados de porcos mortos. Após mais algumas pesquisas, surgiu então a pergunta: será que é preciso reconsiderar a definição atual de morte cerebral? Eles se debruçaram sobre questões éticas e, para evitar problemas, fizeram experimentos com cérebros foram anestesiados com betabloqueadores, o que impede que os neurônios disparem em uníssono (o que é um pré-requisito para a consciência). Os resultados mostraram que a privação de oxigênio não é tão prejudicial como se pensava (ela acontece em acidentes vasculares cerebrais ou lesões graves, por exemplo). O problema é que a pesquisa levantou tanta curiosidade na mídia, seja por questões éticas ou por parecer algo assustador, que os pesquisadores estão respondendo a outros cientistas e a mídia desde a publicação na Nature (que aconteceu em Abril deste ano) e não realizaram outros experimentos.
Sandra Díaz: guardiã da biodiversidade
A ecologista Sandra Díaz e outros 144 pesquisadores finalizaram em 4 de maio deste ano o estudo mais exaustivo de biodiversidade do mundo. O resultado do trabalho mostra que um milhão de espécies está em risco de extinção por causa das atividades humanas e afirma que é preciso medidas drásticas para impedir a situação. De acordo com a Nature, o relatório final da pesquisa afirma que os países não conseguirão atingir a maioria das metas globais em biodiversidade e desenvolvimento sustentável, a menos que grandes mudanças sejam feitas. Díaz debate questões de ciência e política e se recusa a ser pessimista sobre a capacidade de mudança, visto que, segundo ela, não há um plano B.
Jean-Jacques Muyembe Tamfum: combatente do Ebola
Jean-Jacques Muyembe Tamfum é um dos descobridores do Ebola. Em 1976, ele viajou pelas florestas da atual República Democrática do Congo para investigar uma doença desconhecida que matava rapidamente. Agora, 43 anos depois, ele lidera a resposta a uma epidemia de Ebola que, desde agosto de 2018, já matou mais de 2.200 pessoas. Além de desenvolver medidas de saúde pública usadas para conter o vírus (desde 1995), ele percebeu que é preciso conversar com a comunidade para que as pessoas ganhem confiança e entendam como se proteger e, ainda, encontrou uma forma de enterrar os mortos com respeito, reduzindo o risco de infecção. Muyembe Tamfum também iniciou as investigações que conduziram ao lançamento de medicamentos e vacinas contra a doença. No mês passado, um estudo clínico controlado realizado por sua equipe teve um resultado positivo de 90% de chance de sobrevivência para os tratados com medicamentos baseados em anticorpos após a infecção. Antes de se aposentar, ele pretende descobrir como o vírus se move entre espécies, encontrando um possível vetor.
Yohannes Haile-Selassie: buscador de origem
O paleontólogo Yohannes Haile-Selassie e sua equipe descobriram um crânio de 3,8 milhões de anos muito preservado de um antigo parente humano, o Australopithecus anamensis. A descoberta foi em 2016, mas o artigo foi publicado este ano na Nature. Haile-Selassie tem status e é considerado um dos mais talentosos descobridores de fósseis no campo. A pesquisa permitiu que os pesquisadores conseguissem “ver” melhor a face dessa espécie, da qual antes só se conhecia por meio de fragmentos ósseos. Ainda, a descoberta sacudiu a árvore genealógica humana, sugerindo que a evolução dos hominídeos é um pouco mais confusa do que se acredita. Vale ressaltar que, segundo a Nature, nem todos concordam com a mudança evolutiva proposta pela equipe do paleontólogo.
Wendy Rogers: ética em transplantes
Durante duas décadas, órgãos como fígados, corações e rins usados em transplantes na China tinham origem duvidosa. O governo negou que eles eram de prisioneiros, mas depois acabou admitindo e afirmou que a prática foi proibida desde 2015. A bioética da Macquarie University (Sydney, Austrália), Wendy Rogers, examinou as publicações de pesquisas de médicos chineses envolvendo transplantes. Sua equipe publicou uma pesquisa que desencadeou várias retratações de relatos de transplantes, após os médicos não conseguirem provar que os doadores consentiram com o ato. No total, a equipe encontrou mais de 400 transplantes que provavelmente usaram órgãos de prisioneiros. O resultado teve como consequência reação por parte de algumas revistas científicas que publicaram as pesquisas que relatavam transplantes suspeitos: alguma retiraram os artigos do ar. Rogers virou ativista após assistir ao documentário Hard to Believe (trailer abaixo), o qual mostra a doação de órgãos forçada de presos políticos. Suas ações chamam atenção para o fato de que as revistas também precisam se policiar com relação aos estudos que publicam.
Hongkui Deng: edição de genes
Uma técnica de edição de genes chamada CRISPR-Cas9 foi desenvolvida recentemente e já é usada na prática clínica (CRISPR significa Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas, ou Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats em inglês). Neste ano, foi publicado o primeiro relatório sobre o seu uso em uma pessoa, o qual mostrou como a edição do gene CRISPR pode criar um suprimento potencialmente ilimitado de células imunes impermeáveis à infecção do HIV. O estudo veio do laboratório de Hongkui Deng, da Universidade de Pequim. Em 2005, Deng há estava ligado a uma pesquisa da importância da proteína CCR5 no HIV. A tentativa atual era reproduzir o fato de que, em 2008, um paciente de Berlim ficou livre da infecção após receber uma doação de medula de um doador com uma mutação genética que desativa o CCR5 (a doação era para tratar uma leucemia). Porém, essa mutação é algo raro e a alternativa foi usar a edição de genes. Segundo a Nature, Deng retirou células-tronco formadoras de sangue imunologicamente compatíveis da medula óssea de um doador, editou-as com CRISPR-Cas9 e depois transplantou para um paciente com leucemia e HIV. Por segurança, apenas 18% das células foram modificadas. O resultado foi que a infecção do HIV permaneceu no paciente, mas mostrou que as células editadas podem ser parte de um transplante sem efeitos adversos. Agora, Deng espera transplantar uma proporção maior de células editadas. Ele também almeja desenvolver métodos de reprogramação de células-tronco pluripotentes (ou embrionárias, que têm a capacidade de se transformar em qualquer tipo de célula adulta), que são mais fáceis de editar, e convertê-las em células-tronco formadoras de sangue para transplante.
John Martinis: computador quântico
John Martinis ainda era estudante quando viu seu futuro traçado ao assistir uma palestra do físico Richard Feynman falando sobre usar características quânticas das partículas para criar computadores potentes. Anos depois, Martinis esteve a frente do grupo de pesquisa da Google que fez a demonstração do computador quântico capaz de fazer um cálculo de forma muito mais rápida que o melhor computador convencional. Foram 17 anos de pesquisas para aprimorar o hardware do computador quântico desenvolvido, chamado Sycamore. O esforço aparentemente valeu a pena, visto que o computador demonstrou que poderia fazer em 200 segundos o que computador atual mais potente levaria 10.000 anos (embora alguns afirmem que isso levaria alguns dias e não tantos anos). Segundo a Nature, Martinis afirma que a importância do que foi realizado está no fato de demonstrar que a compreensão dos físicos das interações quânticas permanece verdadeira em escalas e complexidade maiores.
Greta Thunberg: guerreira do clima
A adolescente Greta Thunberg marcou presença no Congresso dos Estados Unidos sobre mudanças climáticas. Segundo a Nature, este ano ela conseguiu chamar a atenção para as mudanças climáticas que muitos cientistas não conseguiram ao longo dos anos. Thunberg usou um relatório do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change) para pedir que os governantes ouvissem não a ela, mas a ciência, solicitando que eles tomassem uma ação. Há quem afirme que Greta Thunberg serve de inspiração para a próxima geração de cientistas. A sueca de 16 anos ganhou destaque ao ficar durante alguns dias na porta do Parlamento Sueco protestando pelo clima. Aos poucos, ela ganhou notoriedade entre os ativistas. No Brasil, se ela não ficou conhecida por suas ações ou seu discurso no Congresso dos Estados Unidos, seu nome chegou aos ouvidos de muita gente após ser chamada de pirralha no início deste mês por Jair Bolsonaro. Como resposta, ela alterou a descrição do seu perfil no Twitter para “Pirralha”.