Na prática, o efeito Dunning-Kruger não tem a ver apenas com a idade, mas com toda uma percepção de um indivíduo sobre seu conhecimento acerca de qualquer tema. A grosso modo, trata-se de um fenômeno em que o ser humano acredita conhecer muito mais acerca de um assunto do que realmente compreende, sendo que esse entendimento próprio é inversamente proporcional ao seu domínio efetivo de um tema. Ou seja: é quando temos a confiança de achar que sabemos algo, sem saber, de fato.
O que é o efeito Dunning-Kruger?
Pense em vezes pelos quais indivíduos sem competência técnica tentam ensinar aos próprios especialistas como fazer o próprio trabalho. Médicos escutando sobre como um vírus age, jornalistas escutando sobre como fazer notícia, professores escutando sobre ensinar, todos vindo de pessoas que demonstram não ter absolutamente a mínima de noção do que estão falando, baseando-se apenas no senso comum. Tratam-se cenários considerados comuns em ocasiões que vão desde festas familiares a comentários de internet. Esses acontecimentos se aplicam no chamado efeito Dunning-Kruger, uma vez que se referem a pessoas que não têm consciência prática a respeito dos limites do próprio conhecimento, acreditando serem mais espertas em determinados assuntos do que realmente são.
Como funciona o efeito Dunning-Kruger?
Na prática, o efeito Dunning-Kruger pode ser compreendido através do gráfico a seguir: O eixo Y representa a confiança de um sujeito a respeito de seu conhecimento, enquanto o eixo X representa a real expertise sobre algum assunto. Nota-se que, logo no começo do aprendizado de algum tema, o indivíduo que vai adquirindo alguma sabedoria mínima se torna confiante sem entender, para valer, a sua real profundidade. Em determinado momento, chegando no pico referente ao eixo Y, ocorre normalmente algum choque de realidade em que a pessoa começa a questionar até onde vai o seu saber. Aos poucos, ela começa, então, a se habituar e a curva do gráfico se achata, alcançando a estabilidade, equilibrando a percepção dos seus limites e seu próprio conhecimento, de fato. No cotidiano, o Dunning-Kruger pode ser observado no trabalho, com profissionais que se negam a ouvir críticas de seus pares e que não acreditam terem ficado a desejar em determinados critérios, e no nosso planejamento do dia a dia, quando acreditamos ser possível realizar mais tarefas durante o dia do que realmente conseguimos. Obviamente, também se aplica a temas específicos, sendo a política um assunto bastante prolífico no assunto. Um estudo publicado em 2013, por exemplo, atesta que indivíduos inclinados ao extremismo tendem a expressar uma confiança exagerada a respeito do assunto em questão e de outros tópicos tangenciais que eles mesmos demonstraram não dominar.
De onde surgiu o efeito Dunning-Kruger?
Observado originalmente por David Dunning e Justin Kruger em um artigo científico publicado em 1999, o estudo conduzido analisou a cognição dos participantes no que dizia respeito a temas como gramática, humor e raciocínio lógico. No teste de gramática, foi pedido para que 84 universitários da Universidade de Cornell realizassem uma prova e, em seguida, medissem o nível de seu próprio conhecimento no tema. O que aconteceu é que aqueles que tiraram a pior nota são os que acreditaram ter se saído com o melhor resultado por acreditarem ter um conhecimento acima da média em relação ao resto. Em contrapartida, os que se saíram com os melhores resultados acabaram tendo uma percepção do próprio conhecimento técnico dentro de tal assunto. O estudo foi publicado em um paper e, desde então, serve de exemplo para ilustrar o fenômeno que leva as pessoas a acreditarem ter mais sabedoria do que realmente têm.
O que leva alguém a sucumbir ao efeito Dunning-Kruger?
De acordo com os estudiosos, o efeito se dá por uma espécie de “fardo duplo”, visto que as pessoas não são apenas incompetentes em determinada área, mas é a própria incompetência que os faz não terem a noção dos limites de seu conhecimento. Sem conhecimento, é mais complicado para o indivíduo mensurar com facilidade o quão precisa é sua expertise. Como é que alguém vai saber a respeito justamente do que ele não sabe? O nome desse autoconhecimento se chama metacognição, que é o domínio prático das próprias habilidades. O fato de estar cercado com outros indivíduos dentro de um meio, por exemplo, melhora a metacognição, uma vez que a presença de terceiros facilita a comparação. Um leigo, por sua vez, não conta com esse contraste porque não tem pares tão próximos que sejam capazes de mostrar a verdade, que existe um mundo vasto dentro de determinado assunto. Isso acaba levando à superestima de si próprio e fracasso em reconhecer a expertise dos outros, já que isso levaria a comparações que colocariam o indivíduo em um patamar inferior. Demais causas também envolvem o próprio ego e a incapacidade de admitir que a competência alheia seja superior. Entretanto, vale ressaltar que essa negação em aceitar a própria ignorância se dá muito através de pressões sociais, visto que a admissão de certos defeitos ainda é considerada tabu na sociedade, que cobra cada vez mais a perfeição.
Como superar o efeito Dunning-Kruger?
A primeira coisa a se ter noção é que todos somos suscetíveis ao efeito Dunning-Kruger, visto que é um fenômeno que diz respeito a nós próprios e não ao julgamento alheio. A melhor maneira para evitá-lo é nos instruirmos com mais propriedade ao mesmo tempo em que intensificamos o contato do indivíduo com determinado tema, dado que o gráfico mostrado anteriormente indica que quanto maior o contato com o tópico, maior é nossa percepção sobre nós mesmos. Uma hora, sempre percebemos o quão vasto é, na verdade, qualquer assunto com o qual estejamos entrando em contato. Dessa forma, o entendimento factual sobre algum tema virá também com uma melhoria das habilidades metacognitivas, ou seja, o indivíduo passa a entender melhor a respeito de si. A ideia é que nós sejamos cautelosos e jamais nos deixarmos levar pelas concepções que já estão enraizadas em nós mesmos. A problemática central do Dunning-Kruger tem a ver com a confiança em que respondemos e tomamos decisões a frente de dúvidas e problemáticas que nos são apresentadas. Assim, uma das maneiras para evitar sucumbir ao efeito é sempre questionar as informações que parecem óbvias, mas muitas vezes são apenas desinformações e podem estar potencialmente erradas. De tal forma, é sempre válido tentar conferir os fatos antes de realizar certas constatações, especialmente caso estejamos nos pés de algum especialista ou entre pares igualmente capazes. Por fim, levar em conta o criticismo alheio é sempre válido, pois terceiros podem vislumbrar pontos não contemplados por nós mesmos, algo completamente natural.
Qual é o oposto do efeito Dunning-Kruger?
Até aqui, aprendemos que o Dunning-Kruger ocorre quando acreditamos ter maior conhecimento ou habilidade do que realmente temos. Isto é, nós as superestimamos. Em contrapartida, o efeito contrário ao Dunning-Kruger é muitas vezes atribuída à chamada Síndrome do Impostor. Aqueles que sofrem com a síndrome do impostor tendem a subestimar suas próprias habilidades, uma vez que se veem como uma farsa e, portanto, acreditam que não merecem qualquer tipo de sucesso derivada de suas habilidades. A confiança, nesse caso, inexiste. Enquanto o efeito Dunning-Kruger foi identificado originalmente em 1998, a síndrome do impostor, por sua vez, já era estudada desde 1978 — ou seja, com pelo menos vinte anos de antecedência — e, no início, acreditava-se que ela afetava apenas as mulheres. Anos depois, um novo artigo constatou que o fenômeno poderia recair sobre qualquer indivíduo. Dentre suas características, são observadas práticas como a do perfeccionismo exagerado até entre especialistas em alguns assuntos, bem como a crença imediata de que projeto algum será bem-sucedido, mesmo que os dados prévios indiquem o contrário. Isso acarretaria em práticas de autossabotagem, já que os indivíduos suscetíveis à síndrome do impostor acabam despendendo menos esforço por acreditarem que estão destinados sempre à falha.
Mas afinal, o Dunning-Kruger realmente existe?
De fato, existe algum criticismo a respeito do Dunning-Kruger que alega que ele não é real ou, ao menos, não como todo mundo pensa. Em dois estudos (publicados em 2016 e 2017) que surgiram inicialmente com a ideia de corroborar o Dunning-Kruger, os pesquisadores tiveram resultados que indicam que tanto os especialistas quanto os leigos tiveram resultados similares na avaliação a respeito do nível do próprio conhecimento. Ou seja, em ambos os casos houve tanto quem alegasse ter se saído bem no teste proposto quanto quem ficasse em dúvida sobre o próprio resultado. Além disso, há muito questionamento a respeito dos resultados do artigo original que relata o Dunning-Kruger, visto que o cérebro humano conta com diversas variáveis comportamentais, o que sempre foi uma consideração importante dentro do ramo da psicologia. Alguém da América do Sul terá um entendimento diferente de mundo do que alguém da Europa. A sociedade em 1999, por sua vez, pensava de uma forma diferente da sociedade em 2017. De um modo geral, o que se traz à tona é que o Dunning-Kruger é um estudo que não pode ser levado como absoluto ao tentar entender e julgar a mente humana. Ou seja, o próprio efeito Dunning-Kruger acabou se tornando um exemplo de si próprio.
“Sei que nada sei”
Não é de hoje que o autoconhecimento humano — a chamada metacognição — é alvo de reflexão. E por isso é importante que estejamos em uma busca constante por mais competência, visto que só assim teremos mais sabedoria não só a respeito de diversos temas, mas também a sobre nós mesmos, o que com certeza nos ajuda a evoluirmos como indivíduos. A frase? Ah, o senso comum normalmente a atribui a Sócrates, mas ela com certeza não foi dita dessa forma, o que torna o conhecimento comum a respeito dela moralmente errado. Na verdade, trata-se de uma interpretação simplificada de um trecho ainda mais longo — e relatado, na verdade, por Platão em Apologia a Sócrates — em que o pensador teoricamente teria dito que “parece que, neste assunto em específico, eu sou mais sábio do que aquele homem que pensa sabe-lo, mesmo não sabendo de nada”. Fontes: Verywell Mind, Time, Healthline, McGill, Psychology Today.Imagem de capa: Brian D’Cruz Hypno+
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O cérebro humano é extremamente complexo e ainda apresenta muitas variáveis que precisam ser analisadas pela ciência, sendo o efeito Dunning-Kruger apenas uma pequena peça de um elaborado quebra-cabeça a respeito do funcionamento psicológico do ser humano. Um dos estudos nesse ramo é o Brain on Tech, da Dell, que tenta identificar qual é a relação da mente humana com o computador. Confira: