Muitas vezes, eram acusados de levarem seus entusiastas mais fervorosos a erros inexcusáveis e, para todos os efeitos, capazes de arruiná-los para a praticidade da vida real. Soa familiar? Essas expectativas, e também os preconceitos em ambas modalidades de leitura, tornou-se estudo na universidade. Afinal, tecnologia e literatura possuem muito em comum. Em seu ensaio sobre o chamado fenômeno “insegurança da leitura”, Katy Waldman descreve o clima atual como um resultado inevitável da oralidade. Mas vai além disso, porém. O que seu estudo tenta não é condenar a leitura da internet em detrimento da leitura clássica, mas sim estabelecer um paralelo entre as duas modalidades, como forma de documentar histerias acerca dos hábitos da juventude.
Leitura e a fonte confiável
Parte do sentimento de que a leitura online é inferior à chamada leitura tradicional não é conceito existente somente por se tratar de um hábito dos jovens. Mesmo que isso seja a fonte de alguns dos preconceitos. Quanto a isso, Katy argumenta que “livros e artigos investigam a maneira como lemos agora” e “uma longa série de estudos sugere que as pessoas leem a Internet de maneira diferente como leem romances”. Katy vai além e faz paralelos à leitura em contexto histórico, observando que a linguagem falada sempre foi retratada como não confiável, isso pode ser especialmente verdadeiro em relação à linguagem falada por mulheres. Waldman escreve: O que acaba por abrangir o debate talvez seja o fato de que, inevitavelmente, o que faz com que os livros hoje gozem de certos status são os mesmos motivos nos quais eram condenados em seu tempo. Muitos deles relacionados à sua capacidade de engajamento e a forte relação com a prática oral e a juventude.
Madame Bovary à frente de seu tempo
Vale lembrar que nem mesmo os romances que marcaram história conseguiram escapar da régua da condenação. Não podemos esquecer que, em seu tempo, o romance absoluto, Madame Bovary (1856) fora condenado entre os seus. E foi além, já que para muitos, o que parecia uma grande celebração do amor romântico era nada mais que uma crítica afiada. Em seu romance, Gustave Flaubert descreve uma adolescente Emma Bovary que “sujou as mãos com livros emprestados de velhas bibliotecas”. Tudo o que Emma lê é excitante em comparação à sua vida. Antes do casamento, ela se achava apaixonada; mas a felicidade que deveria ter seguido esse amor não chegou, e ela, por sua vez, se sentiu enganada. O que ela não encontrou em seu casamento, Emma tentou descobrir o que é felicidade, paixão, arrebatamento, que lhe pareceram tão belas em livros, em tantos outros lugares. Nos braços de outros homens. Adultério. Escandâlo. Um romance a frente de seu tempo. No conflito de Emma Bovary e seus devaneios, Flaubert está canalizando um século de preocupações sobre jovens mulheres particularmente suscetíveis às fantasias que encontram nos romances e nas seduções da leitura. Para Katy Waldman, o enredo de Madame Bovary não é despropositado. Já que, do final do século XVIII até a metade do século 19, ela acrescentou, as mulheres eram consideradas em risco por não serem capazes de diferenciar ficção e vida. Em Madame Bovary, Flaubert pode estar elaborando algumas de suas próprias ansiedades, estando realmente dividido entre essa imaginação romântica e uma espécie de realismo, que sucederia essa vanguarda. Parte de Madame Bovary é Flaubert tentando exorcizar sua própria imaginação romântica realmente poderosa. E a alienação cujos efeitos colaterais são realmente poderosos. Ao criticar Emma, ele critica a todo uma sociedade obcecada na superficialidade.
Austen e a histeria dos excessos
Andando na marcha ré, vem Jane Austen, que, seguindo o exemplo de Flaubert, foi outro romancista que brincou com ideias sobre leitura. Em A Abadia de Northanger (1817) Austen conta a história de Catherine Morland, uma amante de romances cuja leitura a faz acreditar que um homem com quem ela está hospedada é um assassino. Catherine é uma jovem típica que não consegue distinguir entre fato e ficção. Mas, ela não ousa criticar tão ferrenhamente sua protagonista. Pelo contrário. Austen é uma espécie de mestre em satirizar os excessos, mas ela também está elogiando a capacidade dos romances de cultivar o julgamento e gosto. A leitura de mulheres, especialmente as adolescentes, sempre fora associada ao inflamar das paixões sexuais; com idéias radicais e liberais; com arrogância; com a tentativa de derrubar o status quo. A Abadia de Northanger ridiculariza a noção social que retratava as mulheres como tão estúpidas que elas não seriam capazes de distinguir realidade e ficção. Um paralelo que podemos traçar, por exemplo, com todo o preconceito acerca das comunidades de fanfiction. Quem já não se viu criticando esse estilo de leitura online? Ou até mesmo com aquilo que lemos em redes sociais. Embora os medos de hoje sejam diferentes dos tempos de Austen – mais focados no que encontramos na Internet do que em como interpretamos o que lemos -, há uma semelhança afinal. Nossas ansiedades contemporâneas em relação à leitura refletem uma desconfiança de que o indivíduo seja capaz de diferenciar materiais bons de materiais ruins ou usar as informações que eles absorvem de forma produtiva, construtiva e segura. Do outro lado da moeda, o que antes era visto como um risco nos livros é agora elogiado como uma força a ser reconhecida. Hoje, muitos valorizam romances por promover direcionamento, foco. O que, para alguns dos críticos do romance dos séculos XVIII e XIX, perder-se era exatamente o problema. Claro que não seja de todo modo preocupante a maneira na qual nos permitimos alguns meios de comunicação nos absorverem. Um eco talvez distante das preocupações anteriores sobre jovens e romances podem tecer um paralelo ao atual discurso sobre jovens e videogames. Porém todo o imaginário de que os livros podem ser perigosos parece ter caído no esquecimento, o que levanta a questão de como as novas fontes de entretenimento e informação atuais irão parecer para os críticos e estudiosos do futuro. Daqui 50 anos, talvez lamentemos nossa incapacidade de ler online de maneira satisfatoriamente eficiente. Quais serão os estímulos que o futuro nos reserva? Por ora, basta fazer apostas e, por via das dúvidas, pegar carona na nostalgia. fonte: New York Times