Partindo do ponto de vista científico, levou séculos para a neurociência conseguir entender como é a estrutura do encéfalo humano e como ele funciona em partes, mas muitas questões ainda não foram respondidas. Afinal, desvendar uma máquina tão complexa é uma tarefa difícil (principalmente quando olhamos para a singular mente humana). Explicando a Mente é um spin-off (“derivado”, em tradução livre) da série Explicando (de 2018, com duas temporadas e abordando assuntos diversos), ambas da Netflix, que tenta trazer esse assunto (a mente) de uma forma leve e dinâmica. Ela tem 5 episódios em sua primeira e até então única temporada. Cada um deles aborda um tema intrigante da neurociência: memória, sonhos, ansiedade, meditação e psicodélicos. São episódios rápidos (20 minutos de duração, aproximadamente), simplificados e em uma linguagem que até quem não tem nenhum conhecimento prévio sobre o assunto consegue absorver o conteúdo. Porém, eles elucidam muita informação ao mesmo tempo. Todos esses episódios são narrados por Emma Stone (de La La Land, 2017) e a série alterna entre imagens explicativas, entrevistas com neurocientistas especialistas e depoimentos ligados ao tema do episódio. Se formos destrinchar essa composição, percebemos alguns fatores que fazem com que a série seja dinâmica e, consequentemente, no ritmo de nossas mentes. A narrativa é rápida e é preciso estar atento para acompanhar o raciocínio, que segue de maneira lógica. Quando são mostrados desenhos, eles são em cores chamativas e dinâmicos. O passado (imagens e relatos antigos) são contrapostos ao presente (explicações de neurocientistas, artigos científicos e depoimentos de pessoas ligadas ao assunto). Veja o trailer: Se pararmos para pensar, é exatamente assim que nossas mentes funcionam: meio bagunçadas. Essa estrutura, de troca de cenas contínua, imagens borradas e outros elementos constitui o quebra-cabeça do nosso cérebro. Esse efeito pode não ter sido intencional, mas isso te faz ficar vidrado na tela. Se você se esforçar, vai até notar uma diferença de “velocidade” do episódio 3 para o 4. No 3, que trata de ansiedade, parece que o episódio se passa dentro de um ataque de pânico. No episódio 4, por outro lado, que é sobre meditação, é tudo mais calmo, desde os desenhos menos agitados até a música de fundo e em algumas partes da narração. A explanação de temas tão complexos é um pouco rápida. Parece superficial, mas é, ao mesmo tempo, envolvente. Se fosse mais a fundo, seria necessário muito mais que 20 minutos. O interessante é que os nomes dos estudos científicos são claramente apresentados, de forma que você pode pesquisar por eles para ir atrás de mais informação. Também preciso entender que Explicando a Mente não consegue responder a todos os questionamentos que temos. O motivo é simples: a mente é quase como um “buraco negro” do corpo humano, ou seja, há muitas coisas que ainda não sabemos (além do fato de que, assim como nos buracos negros, ninguém entrou em uma para descobrir como é). Apesar disso, a série mergulha em questionamentos que já são total ou parcialmente compreendidos e mostra os que ainda são um mistério. No fundo, Explicando a Mente é para quem busca algo rápido e interessante, mas também para simpatizantes do assunto. Você certamente vai aprender algo novo e instigante e, se for um curioso nato, vai em busca da informação.

Episódios de Explicando a Mente

Memória

É bem provável que, quando alguém fale em 11 de Setembro, sempre surge um para falar o que estava fazendo no momento que viu a notícia (millennials e alguns da geração Z provavelmente tiveram seu desenho interrompido). Porém, será que sua memória é assim tão boa ou você está deixando passar algo? O episódio gira em torno justamente do atentado de 11 de Setembro e como as pessoas lembram do ocorrido. Ou, melhor, como os cérebros constroem essas memórias e como elas podem estar distorcidas, por mais que você tenha certeza de que aconteceu daquele jeito. Além disso, há uma explanação sobre pessoas que tem a (invejável) capacidade de lembrar de milhares de números, palavras e imagens como se o cérebro tivesse uma capacidade de armazenamento infinita. Algumas técnicas para isso são mostradas, como a do Palácio da Memória (e podem ser uma grande dica). Por outro lado, há relatos curiosos de casos de pessoas com algum problema de amnésia. Um deles é Henry Molaison (cujo problema se parece muito com o visto no clássico filme Como se Fosse a Primeira Vez, de 2004). Alguns questionamentos levantados e explorados são: se a função da memória é preservar o passado, por que elas não são confiáveis? Se o sistema de memória é não confiável, por que ele existe? As respostas são mostradas ao longo do episódio.

Sonhos

O segundo episódio de Explicando a Mente é sobre algo que não compreendemos muito bem ainda: os sonhos. Para começar, alguns questionamentos mostrados neste episódio são: sonhos são míticos ou tem algum significado? Por que sonhamos? Por que os sonhos misturam realidade e coisas abstratas? É possível controlar os sonhos? Na história humana, os sonhos inspiraram vários feitos que vão desde a organização da tabela periódica a várias obras de Salvador Dalí. Freud, vários neurocientistas e muitas culturas antigas buscaram algumas explicações para os sonhos, os quais são, ainda hoje, rodeados de mistérios. Há, durante o sono humano, várias fases. Em uma delas é justamente onde acontecem os sonhos de forma mais vívida, a fase REM (Rapid Eye Movement, ou Movimento Rápido dos Olhos, em português), na qual os olhos se movem e há elevada atividade cerebral. Como isso funciona é uma das vertentes que são analisadas no episódio dois.

Ansiedade

Quem nunca ficou ansioso por algum motivo específico (ou talvez nenhum em especial)? A ansiedade é uma resposta natural ao medo que pode se manifestar de maneiras diferentes (talvez mais em algumas pessoas e menos em outras) e é o tema central do terceiro episódio de Explicando a Mente. No quesito crises de ansiedade e sensação de pânico, o episódio vai mais fundo e explana nas entrelinhas o que é, como é por que essa forma de ansiedade tão intensa acontece e por que ela acontece com alguns, além do que podemos fazer a respeito dela. Qual a semelhança de um ataque de pânico com a sensação de perigo na qual seu corpo sinaliza e te dá todo o suporte para lutar (ou correr), por exemplo? Ainda, qual o limite entre a ansiedade natural e racional (como a que te manda correr quando você está de frente para um leão faminto) e a ansiedade que prejudica seu convívio em sociedade? O que é um Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e como ele está ligado à ansiedade? De onde os transtornos de ansiedade vem e o que fazer para tentar contorná-los? Este episódio mostra diferentes “níveis” de ansiedade, como aquela cotidiana, na qual ficamos com medo e angustiados mediante algumas situações (como a de ter de boletos a pagar) e a extrema, que pode dificultar a convivência social. Fobias, medo de ser avaliado, de não saber o que vai acontecer, de perder o controle e outras variações da ansiedade. Outro ponto interessantíssimo abordado é sobre a possibilidade de estarmos cada vez mais ansiosos: estamos em uma epidemia de ansiedade ou isso é algo que já vem de outras épocas? Se sim, será que as redes sociais e a tecnologia de modo geral têm uma parcela de culpa? Qual o papel dos remédios e terapias nesse cenário? Tudo isso é respondido durante este episódio, que conta com diversos dados científicos para embasar os argumentos.

Meditação

Meditação é um tema um pouco polêmico. Muita gente acredita nos seus verdadeiros efeitos, enquanto outros duvidam. O quarto episódio de Explicando a Mente aborda o que a meditação pode fazer não só pela sua mente, mas também pelo seu corpo. “Respire fundo, concentre-se em inspirar e expirar, libere a tensão do seu corpo, relaxe”… Se você acha que meditação é conversa para boi dormir, ficará surpreso ao ver os resultados de alguns estudos científicos apresentados. Porém, há um limite entre a meditação e o exagero e isso é claramente explicitado. Há diferentes tipos de meditação, que varia desde a mais “calma” até a mais “agitada”, rituais religiosos, as que relaxam e as que aumentam a concentração, etc. Tem para todas os gostos. No caso da Mindfulness, o objetivo é trazer a atenção ao que a mente está fazendo, algo meio complicado em dias atuais. Como contraponto, a tecnologia que nos deixa tão desatentos pode ajudar a meditar em qualquer hora ou lugar com os aplicativos específicos. No fundo, meditação não é sobre controlar sua vida, mas como você responde aos acontecimentos dela. Isso nos leva a questionar: Como a meditação pode ajudar em problemas como depressão, ansiedade, deficit de atenção e outros? Como técnicas de respiração podem levar ao controle da mente?

Psicodélicos

Não é de hoje que se sabe que algumas substâncias causam alterações na mente, podendo te levar a uma viagem por um mundo totalmente diferente durante um tempo. Por exemplo, uma cápsula de cogumelos mágicos pode te fazer sentir menos ansioso por um longo tempo. Duas podem fazer uma grande parte de fumantes parar com o hábito durante um ano. Bizarro, não é? Como uma experiência dessas pode ter efeitos tão variados e drásticos? É exatamente isso que o último episódio de Explicando a Mente trata. Os relatos vão desde a descoberta da dietilamida do ácido lisérgico (LSD) – uma das drogas alucinógenas mais famosas e que pode alterar sua percepção da realidade por horas – de forma quase detalhada, passando pelos anos 60 e o boom hippie, até a proibição não só do LSD, mas também outros psicodélicos. A verdade é que ninguém sabia exatamente o que essas drogas poderiam causar. O episódio também discute mitos e verdades que rondam psicodélicos: será que eles afetam cromossomos? Qual o risco? Eles induzem problemas mentais? Eles levam a experiências míticas e espirituais? Qual é a diferença de psicodélicos para o álcool e outras drogas (cocaína, heroína, etc.)? Qual a diferença de psicodélicos para meditação? Este episódio quebra alguns mitos e mostra os dois lados dos psicodélicos, os riscos e os benefícios, além de toda a incerteza associada ao desconhecido. Ainda, apresenta como eles rompem com a percepção que temos do mundo real e qual o seu efeito no cérebro.

Análise geral

Explicando a Mente é, certamente, uma viagem fácil, rápida e instigante pela mente humana. A série poderia, sim, ter abordado alguns outros pontos, mas fazendo isso perderia seu propósito de ser rápida. Por isso, é mais como uma introdução a assuntos diversificados ligados à neurociência. Não é por ser introdutória que ela se prende à superficialidade do assunto. É possível captar detalhes complexos que são bem explicados. Além disso, a dinâmica combina com os temas abordados e tem um ritmo interessante. Explicando a Mente é daquelas que você consegue ver de uma vez só e que fica com “caraminholas” na cabeça quando termina. Talvez, seja preciso interromper algumas vezes para ler o nome de um artigo científico ou analisar uma imagem com mais calma, mas isso não interfere na compreensão do que é falado (pausar para analisar melhor é mais indicado para quem quer aprofundar mesmo). Por fim, seja para quem quer algo leve para distrair e, ao mesmo tempo, expandir seus horizontes ou para quem é fã de neurociência e curioso sobre como funciona essa máquina perfeita chamada cérebro, Explicando a Mente é um prato cheio. Quase de forma paradoxal, é uma série que deixa sua mente trabalhando para entender seu próprio funcionamento fascinante.

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