Histórico: um RTS para todos governar

A série Age of Empires sofre — ou se aproveita, de certa forma — de um tropo comum ao cinema e, talvez, a outros elementos da cultura pop: o de que o segundo filme, ou título, acaba sendo o melhor da saga. Por muito tempo, isso foi realidade. O primeiro Age of Empires chegou em 1997, desenvolvido pela saudosa e extinta Ensemble Studios e publicado pela Microsoft Game Studios, hoje Xbox Game Studios. Ele foi um primeiros jogos de Estratégia em Tempo Real (RTS) baseados em história, neste caso, nos grandes impérios da antiguidade, como os babilônios, hititas, gregos, egípcios e romanos, e fez um bom sucesso — o que garantiu sua continuação. E ninguém estava preparado para o que viria a seguir. Age of Empires II: The Age of Kings foi lançado em 1999, e foi um estouro tanto de crítica quanto de público. Com milhões de cópias vendidas e se tornando uma grande influência para o gênero, o game se sagrou como uma obra inovadora e inspirada — o tema medieval, preferido de muitos jogadores, pode ter sido um dos fatores a ajudar nesse sucesso, além da melhoria em praticamente todos os aspectos da jogabilidade. O problema? Mesmo as suas campanhas, que traziam as jornadas históricas de grandes nomes como Joana D’Arc e Gengis Khan, não eram muito fiéis à história — o que é irônico, dada a influência e o aprendizado que muitos na internet afirmam ter tirado do game. Raios, até eu admito que 70% da razão para ter cursado história vem da influência da série! Bem, de qualquer forma, a diversão proporcionada pelo game e a avidez dos jogadores trouxe uma infinidade de mods, incluindo o Forgotten Empires, que acabou se tornando oficial e dando origem às versões definitivas de todos os games numerados da série. Já Age of Empires III, de 2005, apesar de não ser um fracasso de vendas, não agradou tanto a crítica — muitos jogadores não gostaram das mudanças trazidas ao gameplay. Age of Mythology, um spin-off divertido e fantasioso, de 2002, foi bem recebido, ganhando aclamação da crítica e uma expansão em seguida. Nenhum deles, no entanto, chegou perto do sucesso que Age of Empires II fez. E bem, Age of Empires Online…não falamos disso aqui. Não chegou a conhecer? Ótimo, continue assim.

Retorno às origens

Especulações antigas da internet, nascidas de um artbook da edição de Age of Empires III, apontavam que a franquia iria continuar caminhando para a frente na história. Bem, elas não poderiam estar mais erradas: Age of Empires IV voltou à era medieval. Na verdade, retornou com maior abrangência, mas cobrindo o mesmo período que o segundo jogo da saga. Essa decisão é compreensível: se trata de uma forma de garantir o interesse dos jogadores que já gostavam do maior sucesso da franquia, mas também representa uma chance de revisitar a história e as possibilidades da época com mais cuidado. E que cuidado, meus amigos. Desde o anúncio do jogo — dessa vez desenvolvido pela Relic Entertainment (veterana dos RTS) em parceira com a World’s Edge (subsidiária da Xbox Game Studios, que publicou o game) —, já se comentava que o foco em história seria muito maior e mais acurado. O jogo, porém, ainda beberia muito da fonte, o que era óbvio pelos trailers e comentários dos desenvolvedores. Vamos, agora, comentar sobre o que mudou, e o que poderemos ver de volta no game.

Civilizações assimétricas

A mudança mais brusca comparada com Age II fica por conta das civilizações. Uma mudança notável já está presente nos nomes, mais adequados aos povos da época: em vez de Alemanha, temos o Sacro Império Romano [Germânico]; substituindo a Pérsia, há o Sultanato de Délhi; já os Árabes dão lugar à Dinastia Abássida enquanto os Rus representam a Rússia. Mas as diferenças não para por aí: o gameplay para cada um deles é diferente. Tudo bem, entre os ingleses, franceses ou germânicos, não há tanta diferença, mas quando mudamos bastante de etnia, a história é outra (literalmente). Os Mongóis, por exemplo, são completamente diferentes das outras civilizações: como nômades, eles conseguem deslocar todas as suas construções pelo mapa, precisando apenas que sua construção principal, o Ovoo, seja posicionada em uma fonte de pedra. A cavalaria arqueira, Mangudai, é móvel e poderosa, podendo atirar em movimento e sendo complementada por cavalaria pesada. No entanto, eles não podem construir nenhum tipo de muralha. Já o Sultanato de Délhi tem um foco forte em tecnologia: podendo pesquisar melhorias sem custo algum, mas de forma lenta, eles têm unidades chamadas de Estudiosos, que conseguem acelerar o progresso e dar suporte às tropas. Além disso, poderosos Elefantes de Guerra se destacam no exército da civilização. Também focada em tecnologia e pesquisa é a Dinastia Abássida e sua exclusiva Casa do Conhecimento, que oferece muita vantagem ao permitir passar de eras sem usar aldeões e focar em diferentes aspectos do game na hora que você quiser. Com eles, os Cameleiros, tanto com espadas quanto arcos, estão inclusos. As civilizações mais parecidas com as clássicas dos títulos anteriores são os Franceses, Ingleses e o Sacro Império Romano, com poucas diferenças entre si. Os franceses possuem poderosos Arbalesteiros com habilidades de defesa, Canhões únicos e melhorias aos Cavaleiros. Já os ingleses focam em seus Arqueiros de arco longo, têm aldeões melhores (que usam arcos para defesa) e Homens-de-Armas com melhorias. O Sacro Império Romano tem acesso antecipado a unidades religiosas e poderosos guerreiros de espada longa, os Lansquenetes. Divergindo um pouco, mas nem tanto, há os Chineses, que possuem poderosas unidades armadas com pólvora e diversas vantagens baseadas em Dinastias, que tem bônus únicos e podem ser trocadas à vontade. Por outro lado, os Rus apresentam boa cavalaria, bônus de caça com prêmios inclusos e paliçadas especiais — sem muralhas de pedra, no entanto. Assim são as oito civilizações iniciais de Age of Empires IV: diferentes entre si o suficiente para serem mais únicas do que as do terceiro jogo, trazendo uma complexidade que deve ser aprendida individualmente. Elementos clássicos da série, como as construções e as unidades, podem ser reconhecidos em todos os lugares, e esse é o passo mais cuidadoso que os desenvolvedores tomaram — nas civilizações clássicas, existe pouca novidade nesse sentido. Suas funções, no entanto, podem surpreender, como as torres que precisam de uma equipe dentro para atirar. Para ajudar com o aprendizado, além de um tutorial bem eficiente para ajudar os novatos no gênero ou na série, há os mapas chamados de Arte da Guerra, nos quais somos ensinados sobre mecânicas introdutórias, econômicas e de guerra para desenvolver ainda mais as habilidades estratégicas necessárias para vencer. Tem modo pra dar e vender, viu. Agora, uma seara que me empolga só de pensar são as campanhas. Vamos a elas!

As Campanhas chegam para brilhar

Fazendo jus ao título desta review de Age of Empires IV, as campanhas são, definitivamente, a surpresa mais grata e o melhor aproveitamento possível da oportunidade que os desenvolvedores tiveram em mãos. Em parceria com a produtora de televisão britânica Lion TV, os devs criaram uma experiência mista de gameplay com curtas em formato de documentário para mostrar os acontecimentos históricos — e é tudo EXTREMAMENTE bem produzido. Além de mostrar especialistas da área trazendo curiosidades nem um pouco chatas, as imagens mesclam localidades reais com soldados e elementos do game sobrepostos. O resultado é entretenimento e conhecimento incríveis. Uma escolha muito acertada foi contar as histórias das civilizações ao longo de décadas ou até séculos — o que evita romantizar personagens, como Age II fez, e dá um panorama excelente da história de cada povo. Dessa forma, a história é mostrada de forma muito fiel também: quando Guilherme (ou William), o Conquistador, invade a Inglaterra no início da primeira campanha, o exército fala francês arcaico (já que eram normandos, ou seja, do norte da França) e não têm características anglo-saxãs (inglesas antigas) — como os arcos longos, que vão aparecendo ao longo dos anos de dominação. Até a linguística teve esse cuidado! Se isso parece complicado, é só porque eu explico mal e superficialmente esse tipo de trivialidade histórica — o que não acontece com o game. Ele mostra, através de suas locuções e imagens cativantes, tudo o que precisamos saber para jogar a campanha, e costura isso com fatos interessantes, como a construção das armaduras dos cavaleiros medievais, o funcionamento de uma besta e de uma catapulta de contrapeso (ou trebuchet, para os íntimos) ou o equipamento de um cavaleiro da horda mongol. Junte isso a uma jogabilidade divertida e feita especialmente para as campanhas, e você terá a melhor aula de história da sua vida. Sério, isso deveria ser usado nas escolas. Atualmente, você pode jogar a campanha dos Ingleses (vivendo a saga dos reis Angevinos), a dos Franceses (incluindo a Guerra dos Cem Anos e a figura de Joana D’Arc), a dos Mongóis (mostrando sua invasão da Europa e suas táticas de guerra incríveis) e a dos Rus (sobre a Ascensão de Moscou, ou seja, a ferocidade com que os eslavos da cidade resistiram aos mongóis e outros invasores para se tornar a grande nação e capital russa). Eu nem era tão fã das campanhas de Age II, mas mal posso esperar para ver que outras histórias serão contadas aqui — e quais civilizações mais devem chegar ao rol do game!

A História como ela é…

De acordo com os dizeres populares, o diabo está nos detalhes. No caso de Age of Empires IV, isso é uma vantagem — há uma atenção muito clara a eles nos elementos escolhidos para integrar o game. Muitas coisas interessantes foram feitas no quarto título da série: talvez alguns jogadores estranhem, pois algumas delas desafiam elementos estabelecidos nos jogos anteriores, mas meu historiador interno grita freneticamente com elas. Exemplos são o fato de que soldados não conseguem atacar muralhas de pedra e precisam de armas de cerco como aríetes e catapultas pra isso; arqueiros ingleses montam defesas com lanças para evitar cavalaria; arbalesteiros utilizam escudos históricos (os Paveses) para se defender de projéteis. Uma adição às mecânicas é a habilidade de fazer emboscadas — você pode se esconder em florestas e surpreender os inimigos, e isso dá mais uma função aos batedores, únicas unidades que podem ver as tocaias. Tudo isso é maravilhoso de se ver na tela, e o melhor: tudo mesclado à jogabilidade, de forma orgânica e funcional. Chef’s kiss. Outros detalhes menores, mas que podem impressionar os mais atentos, são as mudança de eras para cada civilização — não só as construções e tecnologias disponíveis mudam, mas também a língua falada pelas unidades evolui, passando das formas mais arcaicas às mais modernas e próximas das faladas hoje em dia (como na campanha); além disso, a trilha sonora, que também é única para cada civilização (e incorpora instrumentos e cantos próprios), também fica mais complexa ao longo das eras, e se diferencia em tempos de paz e de guerra. O design de som é outra coisa excelente: os gritos enérgicos dos soldados em combate, os assobios e chamados dos batedores quando avisam da chegada de inimigos e as dublagens estão muito bem feitas e no tom certo. Barulhos que precisam passar medo — como os bramidos raivosos dos elefantes e o ranger das madeiras das catapultas de contrapeso ao lançar projéteis e os impactos deles em muralhas — são assustadores de se ouvir e mais altos do que o restante, passando toda a gravidade necessária aos momentos em que são usados. Algo que deve ser aplaudido também é a forma como certas civilizações são tratadas: no ocidente — e, por consequência, aqui no Brasil —, temos uma visão estereotipada de nações asiáticas e do oriente médio, e muitas produções acabam trazendo uma visão distorcida delas por causa disso. Isso foi, inclusive, um problema em jogos anteriores da série: em Age of Empires III, norte-americanos e povos pré-colombianos foram retratados de forma estereotipada, o que foi até corrigido na versão definitiva do game. Não é o caso em Age of Empires IV. Nele, as civilizações islâmicas são altamente tecnológicas e estudiosas — como de fato eram na época medieval —, além de não poder caçar javalis, por serem haraam (impuros, proibidos na sua tradição religiosa); já os chineses trazem a pólvora como diferencial, como também era o caso, e demonstram uma superioridade pouco conhecida por aqui — é bem curioso ver como os europeus estavam atrasados tecnologicamente na era medieval em relação à Ásia, principalmente em um jogo. Ponto ENORME para o game.

…e como ela não é

Infelizmente, nem sempre o cuidado com o realismo e com representações é acertado. Algo que já foi apontado e reclamado pelos jogadores desde o início é o fato de que os projéteis das unidades não funcionam com balística real — o que quer dizer que eles seguem o alvo até o atingirem, sem possibilidade de errar. Isso gera não só estranheza como cenas até cômicas, como trajetos muito íngremes (a noventa graus, e super rápidos) ou flechas perseguindo unidades pelo mapa por tempo demais. Estranho ver isso acontecer quando os outros jogos da série utilizavam uma física realista nas flechas, pedras e balas. Outra reclamação foi o fato de que equipamentos de cerco não possuem uma equipe para manejá-los quando montados ou desmontados — apesar de mostrar, em time-lapse, seu curioso trabalho de construção — , o que parece ter sido feito para economizar no número de elementos na tela. É bobo? Talvez. Não influencia na jogabilidade? Não, mas seria um detalhe interessante de se ter visualmente falando. Outro ponto são as batalhas navais, que continuam bem básicas. Esse nunca foi o forte dos games da série, mas visto que uma preocupação tão grande foi dada aos elementos históricos e particularidades das nações envolvidas, um combate na água mais detalhado e menos centrado apenas na troca de flechas e barcos explosivos poderia ter sido desenvolvido. É uma pena e uma chance desperdiçada com certeza. Alguns gamers reclamaram do aspecto estilo cartoon e dos gráficos, que parecem ser de uma geração passada ou até mais — eu, pessoalmente, não vi problemas, já que as texturas passam a mensagem de forma efetiva e deixam as guerras menos violentas visualmente falando, exigindo de quebra computadores menos potentes para rodar o jogo. Com a quantidade de elementos na tela, como construções e grandes exércitos, a decisão é bem compreensível. O design minimalista da interface, no entanto, às vezes confunde — as silhuetas são bonitas, mas não ajudam a diferenciar tecnologias e unidades de forma tão eficiente. Joinha pra baixo, designers! Visto que os devs mudaram o tamanho dos projéteis com base na recepção negativa dos primeiros trailers, talvez alguns desses elementos mudem com novas atualizações, quem sabe? O tempo dirá. Atualizações, aliás, são muito necessárias — a falta de multiplayer rankeado (apesar do casual estar disponível) desagradou todos os entusiastas do meta no geral, e também não temos o modo para editar mapas, muito querido nos títulos anteriores. Pelo menos isso os devs já sinalizaram consertar até 2022.

Age of Empires IV: Veredito

O quarto título numerado da franquia tem um terreno seguro atrás de si e outro um pouco instável à frente, já que a Era de Ouro dos RTS já passou há muito tempo. O game, no entanto, acerto muito ao tomar os riscos certos para não desagradar os fãs antigos e ainda conseguir cativar novatos curiosos sobre a série. Aproveitando magistralmente a oportunidade de ensinar história em meio a um gameplay divertido, o game toma a direção certa para voltar aos holofotes dos jogadores, inclusive com opções de dublagem e tradução bem-feitas. Pecando apenas na física e levemente no design, o cuidado com os temas trabalhados e o balanceamento são muito bem-vindos e resultam em uma ótima demonstração de como pegar um título clássico e reinventá-lo em tempos mais atuais, deixando um terreno firme à frente para que as próximas atualizações e, por que não, lançamento vindouros possam nadar de braçada no gênero — que deve se revitalizar com Age of Empires IV. Só espero que não entrem nos barcos do game no processo… E se não for pedir demais, gente, tragam a versão definitiva de Age of Mythology. Por favorzinho. Age of Empires IV está disponível no Xbox Game Pass para PC desde o lançamento, no dia 28 de outubro, e também para compra na Steam. Esta review foi feita com uma cópia antecipada gentilmente cedida pela Xbox Game Studios.

Requisitos de sistema

Mínimos:

Sistema Operacional: Windows 10 64bit | Windows 11 64bitProcessador: Intel Core i5-6300U ou AMD Ryzen 5 2400G | CPU com suporte a AVXMemória: 8 GB de RAMPlaca de vídeo: Intel HD 520 ou AMD Radeon RX Vega 11DirectX: Versão 12Armazenamento: 50 GB de espaço disponível

Recomendados:

Sistema Operacional: Windows 10 64bit | Windows 11 64bitProcessador: 3.6 GHz de 6 núcleos (Intel i5) ou AMD Ryzen 5 1600 | CPU com suporte a AVXMemória: 16 GB de RAMPlaca de vídeo: Nvidia GeForce 970 GPU ou AMD Radeon RX 570 GPU com 4GB de VRAMDirectX: Versão 12Armazenamento: 50 GB de espaço disponívelOutras observações: 4 GB de memória de vídeo RAM e 16 GB de memória RAM do sistema

Veja também:

Como não podia deixar de ser, indico aqui nossa matéria sobre a História nos Games — lá, falamos sobre como você pode aprender um pouco mais dela jogando!

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