O sonho se tornaria um pouco mais palpável há quase um ano — mais especificamente no evento comemorativo de 25 anos da franquia Pokémon — quando Pokémon Legends Arceus foi oficialmente revelado com um trailer bastante encantador para quem é fã da série. Daquele dia em diante, se tornou impossível conter as especulações e rumores que iam e vinham de todos os lugares da internet sobre a região de Hisui. Felizmente, chegamos ao momento de falar sobre o jogo com propriedade após tanta espera.
Um passo tardio, mas necessário, rumo à mudança
Desenvolvido pela Game Freak exclusivamente para o Switch e publicado pela Nintendo, o RPG Pokémon Legends Arceus é a mais recente entrada da franquia mais rentável da história do entretenimento. Esse último detalhe é bastante relevante para entendermos o que esse jogo é e por que demorou tanto tempo para existir como o conhecemos. Assim como no ditado popular “não se mexe em time que está ganhando”, grandes mudanças na estrutura dos RPGs de Pokémon não eram justificadas quando observados apenas os números. Os populares Pokémon Let’s Go, Pikachu!/Eevee! ultrapassaram a marca de 13 milhões de cópias vendidas enquanto Pokémon Sword/Shield estão atualmente na casa dos 22 milhões de exemplares. Se, por um lado, os jogos pareciam uma inesgotável fonte de dinheiro para investidores, por outro a fama da série principal de jogos ia se tornando pior a cada lançamento. A Game Freak, um dia considerada referência na criação de experiências vivas de cooperação e competição nos games, recebia apelidos e menções pejorativas (preguiçosa, inexperiente, aproveitadora, entre outras) — mesmo que os outros dois terços da culpa por essa inércia fossem por parte das empresas Creatures Inc. e Nintendo. De fato, é difícil “mexer os pauzinhos” de uma forma segura quando tanta coisa está em jogo — anime, estampas ilustradas, produtos licenciados e muito mais —, mas posso afirmar que me sinto muito satisfeito com a postura mais arriscada de mesclar estilos diferentes de jogo em uma mesma experiência. Para alguém que já havia decidido se afastar da franquia Pokémon após decepções recorrentes, até que estou bastante satisfeito após mais de 30 horas investidas em Pokémon Legends Arceus.
A queda e a ascensão do treinador Pokémon
O jogo começa com o jovem herói (ou a jovem heroína, se preferir) sendo mandado de volta para o passado por meio de uma fenda espaço-temporal pelo poderoso Arceus, criador do universo Pokémon. Ao cairmos em uma praia deserta, nos damos conta que não estamos mais no presente e em nosso local de origem. Na verdade, é na região de Hisui durante um período fictício do Japão feudal que a aventura se desdobra. Logo de cara — como de costume na franquia Pokémon —, conhecemos o Professor Laventon, um carismático pesquisador que nos apresentará aos monstrinhos, à Pokédex e a outros conceitos essenciais do novo jogo. O primeiro objetivo é simples: capturar os três Pokémon iniciais espalhados naquela área para ser presenteado com o seu favorito após cumprir a tarefa. O que difere Pokémon Legends Arceus de seus antecessores, porém, é como você irá pegar todas as criaturas e se tornar o maior mestre Pokémon de todo o mundo.
Temos que pegar todos!
A mecânica central e mais tradicional da série se tornou uma mistura interessante entre o que vimos nos últimos anos em Let’s Go, Pikachu!/Eevee! e Sword/Shield. Por um lado, é possível se movimentar livremente pelos cenários da região de Hisui e utilizar abordagens diferentes na hora de surpreender um Pokémon com um arremesso de Poké Bola. Por outro, ainda há uma porção considerável de criaturas que precisam ter seus pontos de vida diminuídos para somente então termos a chance de recrutá-los para a nossa equipe. A Pokedéx também está diferente e reflete as mudanças implementadas no jogo. Toda vez que encontramos um Pokémon durante uma batalha ou tentativa de captura, algumas informações sobre a criatura ficam anotadas no dispositivo, mas não basta apenas capturá-lo para obter seu registro completo. Um sistema de pesquisa com diversos objetivos orientados àquela espécie agora nos motiva a diversificar e experimentar novas estratégias. Tomemos Buisel, a carismática lontra-fuinha laranja, como exemplo. Para atingir o nível 10 de pesquisa em sua ficha na Pokédex, você pode optar por derrotar, capturar, vencer com um golpe elétrico, recrutar espécimes graúdos ou presenciar o uso do golpe Aqua Jet repetidas vezes para progredir dentro da ficha de registro. Não é necessário bancar o “complecionista” e cumprir todos os objetivos para cada uma das 242 fichas que representam as espécies disponíveis no jogo, mas, se você é fã da franquia, esse esforço é mais que recompensado com uma maior probabilidade de encontrar os valiosos Shiny Pokémon. Além de criaturas mais e menos amigáveis presentes nos vastos cenários de Pokémon Legends Arceus, há também os chamados Alpha Pokémon, monstrinhos maiores e mais resistentes que podem ser enfrentados para adquirirmos mais experiência e itens valiosos — além da oportunidade de trazê-los na “base da porrada” para o nosso time. Para esse tipo de confronto, recomendo uma preparação prévia com uma quantidade razoável de Poké Bolas, itens de cura e alimentos — que podem ser usados para chamar a atenção das criaturas ou curar enfermidades.
Travessia e exploração em Hisui
Em termos práticos, Pokémon Legends Arceus não é um jogo de mundo aberto como conhecemos. Para quem já está familiarizado com a franquia Pokémon, o jogo apresenta uma estrutura de áreas e montarias que me faz lembrar os poucos bons momentos que passei com Pokémon Sun/Moon no Nintendo 3DS em 2017. Na época, as chamadas Poké Rides resolviam a inconveniente necessidade dos HMs, mas não ampliavam as formas de explorar o mundo — já que, em termos de level design, a franquia Pokémon ainda era muito conservadora. O primeiro DLC de Pokémon Sword/Shield, The Isle of Armor, foi o primeiro passo na direção correta quando o assunto é exploração e travessia. Composta por biomas diferentes organicamente divididos por fauna e flora característicos, a ilha passava uma sensação de liberdade por meio do controle total da câmera com o analógico direito em ambientes externos. Pokémon Legends Arceus aposta em uma mistura das montarias da sétima geração com extensas áreas abertas para propor uma exploração e interação mais interessante com os biomas durante a travessia, tirando proveito de Pokémon específicos que podem ser invocados ao toque de um botão. Além de serem espécies ou formas endêmicas da região, esses apresentam habilidades específicas para nos ajudar a chegar aos quatro cantos daquele mundo.
Não deixe nada para trás (se possível)
Não é só de capturar e enfrentar Pokémon que a jornada em Hisui é composta. É preciso coletar recursos e fabricar itens de maior utilidade nos acampamentos espalhados por cada uma das áreas do mapa para ter sempre Poké Bolas, itens de cura e outros utensílios à mão. Por um lado, não precisamos nos preocupar em poupar dinheiro para comprar quantidades exorbitantes de itens. Por outro, o dinheiro certamente já tem destino: você vai querer melhorar a quantidade de espaços disponíveis para armazenamento em sua bolsa. Obter matérias-primas de diversos tipos para crafting só não é uma tarefa mais entediante e repetitiva pois estamos constantemente descobrindo novas formas de coletar esses recursos — seja arremessando uma Poké Bola com uma criatura de sua equipe ou se aproveitando dos espólios da batalha anterior. Minha maior reclamação aqui é mais sobre a quantidade exagerada de frutas disponíveis no jogo comparada ao esforço inesgotável que precisamos fazer para habilitar mais espaços livres para carregar itens.
Que mundo é esse tão cruel que a gente vive?
Um mundo habitado por Pokémon também é um mundo habitado por pessoas. Em praticamente todos os jogos, a relação entre essas duas populações é narrativamente definida como uma amizade. Mecanicamente falando, porém, as criaturas parecem ser mais subservientes aos humanos do que aparentam. Nesse ponto, o fato de Pokémon Legends Arceus se passar em um passado distante diz muito sobre como alguns detalhes da franquia Pokémon finalmente podem ser explicados — ou deliberadamente reformulados sem muitas justificativas. Os Pokémon vivem mais afastados dos vilarejos e cidades, portanto o contato que os humanos têm com as criaturas é menos frequente e expositivo. Acho essa uma boa “desculpa” para sairmos por aí registrando e estreitando laços com os monstrinhos — que, infelizmente, não são tão reativos em seu habitat quanto eu gostaria. Eles percebem quando nos aproximamos — podem tomar posturas ofensivas e defensivas —, mas ignoram a presença de outras criaturas nas redondezas. Além disso, há alguns “chefões” muito poderosos e descontrolados chamados Noble Pokémon enfrentados durante a missão principal, mas os encontros são pouco ameaçadores por conta da tediosa mecânica de arremesso de bálsamos. Como as pessoas daquele mundo não estão acostumadas com as particularidades e diversidades de Pokémon espalhadas por Hisui, é comum sermos encarregados de capturar ou completar o registro na Pokédex de criaturas específicas durante missões paralelas no jogo. As tarefas oferecidas por NPCs, na maior parte das vezes, consistem em atividades repetitivas e com uma conclusão pouca significativa, mas confesso que o jogo tirou alguns sorrisos e risos de mim durante algumas destas jornadas opcionais.
Criativamente competente, tecnicamente decepcionante
Tudo comentado até aqui são impressões positivas ou, pelo menos, neutras sobre o que Pokémon Legends Arceus tem a oferecer. Infelizmente, o jogo deixa muito a desejar em seus aspectos técnicos — e isso vai muito além das limitações que um console portátil como o Nintendo Switch pode apresentar. A direção de arte do jogo, apesar de simples, é satisfatória em seu estilo. O que me deixa bastante irritado é a coragem que o estúdio tem de lançar, mais uma vez, um jogo com texturas tão malfeitas e inacabadas em alguns objetos. Pedras, árvores, construções, terrenos e até mesmo as vestimentas de personagens coadjuvantes da trama sofrem com a falta de polimento ou com carregamentos lentos demais para acompanhar nossa agilidade de movimentação. A taxa de quadros por segundo, por sua vez, não sofre tantas variações quando o clima está tranquilo nos cenários, mantendo constantes 30fps na maior parte do tempo. À medida que chuva ou neblina aparecem, pode haver uma oscilação mais frequente e incômoda. Eu sei que reclamar de aspectos técnicos na franquia Pokémon é “chover no molhado”, mas sinto que, desta vez, foi a própria Nintendo que perdeu a oportunidade de entregar um jogo absolutamente impecável em termos técnicos. A publicadora é detentora de uma expertise bastante invejável nesse sentido com seus estúdios próprios e poderia muito bem ter oferecido uma equipe mais experiente para auxiliar a Game Freak nessa empreitada arriscada.
Pokémon Legends Arceus vale a pena?
Pokémon Legends Arceus acerta em cheio em diversão. A liberdade de exploração e as diferentes abordagens de captura representam uma evolução empolgante para uma série que se encontrava estagnada em um mesmo modelo. Os problemas técnicos não podem ser ignorados, mas podem ser resolvidos em uma próxima entrada da franquia Pokémon. Como eu nunca tive muita experiência ou interesse em multiplayer/competitivo de Pokémon, não posso afirmar com certeza qual é o real impacto das mudanças para esses modos e como se moldará o futuro da franquia com a chegada desse novo estilo de jogo. Mas se você, assim como eu, só quer se divertir caçando bichinhos na região de Hisui, eu recomendo dar uma chance ao novo game da série assim que possível. Pokémon Legends Arceus está disponível para Nintendo Switch por R$ 299,00. Se você ainda tem interesse em saber mais sobre o jogo, confira nosso episódio do ShowmeCAST sobre os jogos que estivemos jogando nas últimas semanas.