Afinal, Sonic Mania foi um caso único, uma vez que foi um projeto conduzido originalmente por fãs que conseguiu atrair a atenção da Sega ao ponto de, em vez de baixar o cease and desist comum nesse tipo de situação, visando “proteger” a própria IP, decidir bancar a produção como um todo. Nesse caso, houve um respiro interessante porque a empresa não aparenta querer investir ela mesma na produção de jogos ao estilo retrô, mas ainda quer seguir lucrando com o sentimento nostálgico dos fãs que não aguentam mais as incursões cada vez mais fracassadas do ouriço em ambientes tridimensionais. Sonic Origins, então, surge aí nesse vácuo, pois essas remasterizações dos títulos originais de Sonic do Mega Drive precisavam de um trato melhor do que o port puro e simples relançado ostensivamente ao longo de diversas plataformas nos últimos anos — e a adequação delas para a Retro Engine se propõe como um diferencial interessante para a coletânea. Seria esta, então, a revitalização definitiva das origens do ouriço?
Mais do que uma emulação, menos do que um remake
O modo básico de todos os títulos da coletânea é o Anniversary Mode. Nele, o jogador tem a oportunidade de experimentar os quatro games em resolução widescreen, sprites remasterizados e alguns adicionais referentes à própria jogabilidade. Um deles é a ausência de vidas limitadas para o Sonic. Isso pode enfurecer os mais puristas e defensores de um gameplay mais complicado, mas aqui coube feito uma luva para uma visão mais modernizada desses games. A dificuldade prática se mantém a mesma, o diferencial está no ritmo do próprio percurso. Ele simplesmente retira a frustração de ter que começar de novo e realoca esse sentimento nas sucessivas mortes que irão ocorrer. Sonic é um jogo que prioriza a agilidade, então pareceu muito mais natural e justo diminuir o receio da morte e convertê-lo em estímulo para tentar infinitas vezes até conquistar a vitória plena. Além disso, essa ideia de ter que recomeçar do início é consideravelmente ultrapassada para os padrões modernos, sendo que há trinta anos, quando esses platformers foram originalmente lançados, o design envolvia em tentar aumentar artificialmente sua duração. Essa injeção de adrenalina ao lado da carência de medo só faz com que as fases sejam melhor exploradas e, consequentemente, aproveitadas, visto que Sonic tem duas virtudes principais. A primeira delas é o exímio level design, especialmente em Sonic 2. A segunda tem a ver com a sensação de velocidade, aquela que nos faz avançar pelos estágios sem exatamente saber para onde estamos indo. Juntos, esses dois valores sempre propiciaram experiências únicas em que cada percurso acaba sendo diferenciado, visto que são inúmeros os caminhos possíveis por cada fase. Outro adicional interessante no Anniversary Mode é a possibilidade de jogar com outros personagens, como Tails e Knuckles nos títulos em que eles originalmente não aparecem, bem como coletar algumas moedas — ora, ora, quem diria — e utilizá-la dentro do próprio jogo para dar retry em certos estágios especiais ou mesmo desbloquear outros conteúdos, como vídeos, artes ou música na galeria da coletânea. Esses vídeos, inclusive, fazem um interessante trabalho em tentar interligar a narrativa dos quatro games da coletânea através de simpáticas animações. Ademais, há outros tipos de conteúdo extra, como o Boss Mode e missões específicas para serem completadas, mas nada realmente surpreendente, principalmente porque o título carece de certas mecânicas conhecidas para coletâneas desse estilo, como um save state nativo, a possibilidade de voltar alguns segundos na ação (o tal rewind) ou filtros de tela para simular uma estética mais retrô. Por mais que os jogos não estejam sendo emulados, mas meio que recriados em uma engine própria, essas opções poderiam estar presentes.
Além disso, os controles nativos do teclado (na versão de PC) não passaram pela melhor das adaptações, com decisões estranhas de botões que, por sorte, podem ser remapeados ou simplesmente ignorados com a utilização de um controle — que é a opção indicada para quem não for se aventurar diretamente pelo console.
As origens do ouriço no Mega Drive
Para os mais puristas, contudo, o Classic Mode também se faz presente, onde é possível replicar a experiência mais punitiva dos originais, que seguem na resolução 4:3. É também nessa modalidade que os problemas de game design dos quatro jogos da coletânea se sobressaem, especialmente porque as supracitadas “facilitações” do Anniversary Mode as deixam mais evidentes. Para os que não sabem, Sonic foi criado no cerne de sua concepção mercadológica como o novo mascote da Sega no intuito de tentar parar a força que a Nintendo tinha com Mario. Isso depois de algumas tentativas fracassadas, como o Opa-Opa e Alex Kidd. Quando Yuji Naka conduziu o processo criativo (que envolveu uma série de designs cautelosamente pensados no intuito de criar uma espécie de Mickey Mouse para a Sega), seu objetivo era trazer um ideal mais simples do que o do Super Mario. Assim, Sonic iria utilizar apenas um botão para se movimentar, ao contrário de Mario, que naquela altura já utilizava 2. Assim como Mario coletava moedas, surgiu a ideia de fazer com que o ouriço coletasse anéis. A atitude considerada mais radical e grosseira também veio de uma jogada de marketing, criando uma ideia de que os jogos protagonizados pelo mascote seriam mais ágeis e menos amigáveis do que os do bigodudo.
Pois bem, o primeiro Sonic The Hedgehog tenta colocar esse ideal em prática, mas ainda seguia muito preso à doutrina do gênero platformer que estava consolidada naquele momento. Os momentos de pura correria não duravam muito, pois não era incomum serem interrompidos por sequências, bem, de plataforma, em que era necessário parar um pouco e acompanhar o ritmo do próprio estágio, algo que não se adequou bem à proposta de um personagem velocista. Sonic the Hedgehog 2, entretanto, já acerta toda a fórmula dessa nova proposta em questão. Não apenas o jogo em si é mais ágil e dinâmico como também o brilhante design das fases ajuda a propiciar essa sensação suprema de velocidade. Não obstante, essa filosofia é enaltecida pelo Anniversary Mode, que estimula o jogador a esquecer da vida, ou melhor, das vidas limitadas, e o arremessa no meio da ação caótica, desafiando-o a encontrar a saída. A imperdoável reta final de Sonic 2 também pareceu bem mais justa sem o medo do game over. O problema com os jogos bidimensionais do Sonic começa a complicar a partir de Sonic CD. Vendo que a bagunça do design de fases jogou a favor da qualidade do game anterior, os desenvolvedores aparentemente perderam a mão e decidiram amplificar isso, trazendo seções múltiplas de viagens temporais (ou seja, cada nível, efetivamente, tem outras fases dentro de si, como passado, presente e futuro) e objetivos que determinam o sucesso ou o fracasso do jogador. É como se tivessem jogado aquela ideia de “fazer o simples”, inerente à famigerada concepção do ouriço, no lixo. Sonic 3 & Knuckles, por sua vez, embora seja considerado o melhor dos títulos bidimensionais do ouriço, saiu levemente prejudicado por conta de todo o imbróglio envolvendo sua trilha sonora, que supostamente teve envolvimento do astro Michael Jackson na composição. Inclusive, dizia-se que era justamente um dos motivos que impediam que o título fosse relançado, normalmente preterido em relação ao Sonic the Hedgehog 3 original (sem o “& Knuckles”).
Uma coletânea esquelética que não é isenta de problemas
O maior ponto de controvérsia a respeito de Sonic Origins é justamente em relação ao fato de que o conteúdo adicional é básico demais e não justifica o preço cobrado pela coletânea, principalmente depois de terem divulgado uma tabela bizarra diferenciando os conteúdos e tentando explicar (sem sucesso) os seus modos de jogo e DLC. Esse conteúdo para download, ressalta-se, é bem superficial e só adiciona ainda mais camadas à contestação em relação ao preço final do título. Enquanto a maior parte desse material é composta por mimos estéticos, como animações e trilha sonora, a outra fração diz respeito a missões extras de maior dificuldade e a possibilidade de jogar os níveis de forma espelhada, bônus que inclusive foi dado de graça para quem fez a pré-venda, mas ainda é cobrado por quem adquirir Sonic Origins depois do período. Ah, no caso da versão da PC, parece ser extremamente problemático o uso do sistema Denuvo como medida antipirataria. Afinal, é muito importante que essa coletânea esquelética feita por games amplamente disponíveis em diversas plataformas e já jogados à exaustão seja protegida a todo custo, não é mesmo? Digo, o problema não é nem tentar evitar pirataria — afinal, a empresa tem que se proteger de alguma maneira—, mas a forma como o Denuvo é um sistema invasivo e desnecessariamente pesado, dificultando a execução plena de games relativamente leves por exigir um consumo excessivo de processamento, bem como também traz consigo a possibilidade de propiciar o desgaste da vida útil de memórias SSD por estar constantemente reescrevendo os arquivos do jogo, algo prejudicial para esse tipo de unidade de armazenamento.
Sonic Origins vale a pena?
Sonic Origins é, certamente, uma jornada interessante porque, de um modo geral, causa no jogador um misto contraditório de sensações. O sentimento positivo vem de jogar títulos bem consistentes na era do Mega Drive. O negativo, por outro lado, faz com que nós olhemos para o retrospecto recente da franquia e nos faz indagar onde é que as coisas começaram a dar errado. Em termos de produto, a coletânea funciona bem pela consistência dos jogos que a compõe, especialmente depois de serem adaptadas à Retro Engine e mesmo sem adicionais básicos como rewind ou save state. A sua proposta, que é revitalizar os quatro títulos presentes nela, é cumprida de forma satisfatória. O problema está justamente nos azedos fatores externos que tornam toda a experiência bem agridoce. Sonic Origins está disponível para PC, Nintendo Switch, PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One e Xbox Series.
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