Antes de entrar nos méritos e deméritos da coletânea remasterizada, disponível para Xbox One e PS4, é valido ressaltar alguns aspectos técnicos e criativos da época na qual a trilogia clássica foi lançada. Afinal, foi em cima de toda a premissa e estrutura de game design desses jogos que o estúdio Toys for Bob fez o trabalho de resgatar essa franquia nostálgica.
Uma fórmula apreciável
Spyro apareceu em 1998 pelas mãos da talentosa Insomniac Games, atualmente conhecida pela série Ratchet and Clank e pelos elogiáveis Sunset Overdrive e Marvel’s Spider-Man, em resposta à crescente onda de jogos de plataforma — especialmente aqueles ambientados e projetados em três dimensões, como os rivais “nintendistas” Super Mario 64 e Banjo-Kazooie. Diferentemente de seu suposto “primo” distante, o marsupial Crash Bandicoot, Spyro sempre se movimentou por cenários 3D, utilizando esse recurso a favor da exploração — basta lembrar-se das “espiadinhas” nos cantos do mapa —, do combate e dos próprios desafios de plataforma, como por exemplo, voando livremente pelo cenário na pele do dragão. Os três jogos possuem premissas praticamente iguais com relação à trama: Spyro é sempre motivado a se aventurar por reinos repletos de fases e tomados por forças malignas, resgatando dragões aprisionados em cristais, evitando que os ovos sejam roubados e coletando poderosos artefatos e relíquias mágicos — tudo pelo futuro de seus amigáveis companheiros escamados.
O pioneiro da série
Por se tratar do primeiro jogo da série, Spyro The Dragon é naturalmente o mais simples e raso da trilogia — mesmo que isso não o impeça de ainda ser um jogo apreciável nos dias de hoje. Nele somos introduzidos às habilidades básicas do dragão, como correr e baforar fogo, tão importantes para combater as forças malignas do temível Gnasty Gnorc e salvar dragões mais experientes que se encontram aprisionados em cristais. O hub, que conecta as fases por meio de portais e serve também de acesso para outros reinos, apresenta mecânicas fundamentais e level design de qualidade, evitando tirar o jogador dos desafios de plataforma até mesmo enquanto ele escolhe em qual fase se aventurar. Isso se tornou característico nos jogos da série. O pioneiro da série apresenta também fases com caminhos interconectados, motivando o jogador a explorar e encontrar atalhos para tornar sua jornada mais fácil. Apesar da simplicidade em seus comandos e das habilidades rasas de Spyro, o combate se torna divertido pelo comportamento e distinção visual dos inimigos, sempre tão atentos aos nossos movimentos e ágeis em suas investidas contra o protagonista. Grande parte dos minions de Gnasty Gnorc tem fraquezas exclusivas a uma das habilidades de Spyro, mas alguns requerem poderes temporários específicos de cada fase. O jogo também permite certa flexibilidade na escolha dos caminhos a serem desbravados. Com um sistema de progressão que depende de coletáveis específicos, Spyro the Dragon pode chegar ao fim da aventura tendo terminado praticamente metade das fases — desde que cumpra os requisitos necessários para avançar para o próximo mundo. Para isso, é recomendável estar atento às dicas concedidas a Spyro pelos dragões salvos.
O inimigo agora é outro
Spyro 2: Ripto’s Rage, a segunda entrada da franquia, é provavelmente também o que mais deve merecer crédito pela boa fama de Spyro. Tudo aquilo que já existia no primeiro jogo ganhou mais significado, criatividade e polimento, tanto nas mecânicas como em sua trama. Com upgrades que devem ser comprados ao longo da aventura, Ripto’s Rage incentiva o jogador a revisitar fases por onde ele já passou em busca de novos caminhos previamente bloqueados. A habilidade de escalar, por exemplo, pode ser adquirida durante nossa primeira visita ao segundo reino e permite que o protagonista alcance pontos estratégicos e locais secretos repletos de coletáveis. Apesar de ser um exímio “cuspidor” de fogo, Spyro aprende a nadar durante a primeira hora de jogo. Isso abre um leque maior de opções para o level design, com fases que intercambiam entre salas inundadas e corredores drenados. O único problema aqui fica por conta da câmera — que pode atrapalhar nossa perspectiva dependendo da posição. As lutas contra chefes abandonam fases lineares para dar lugar a arenas mais espaçadas. O combate geralmente é dividido entre o uso de habilidades já disponíveis para o dragão e gimmicks (mecânicas específicas) daquele dado estágio. Portanto, mesmo que haja certa liberdade na escolha de qual fase jogar primeiro, estágios contra chefões são geralmente oportunidades nas quais o jogo exige um gameplay mais cadenciado.
Mais do mesmo?
Não é como se Spyro: Year of the Dragon fosse um jogo ruim, mas é que ele não inventou nada — e pouco aperfeiçoou a fórmula de Ripto’s Rage, que já era uma ótima entrada da franquia. Cutscenes no início de cada fase e personagens carismáticos já faziam parte de seu antecessor e o conteúdo audiovisual — apesar de mais detalhado — já era recorrente do pioneiro da série. Durante a comemoração do ano do dragão da cultura chinesa, Spyro precisa recuperar ovos de dragões raptados pela coelhinha Bianca, que aparentemente era muito dócil, mas que estava na verdade tramando ao lado do maligno Sorceress. O dragão e seus fiéis companheiros Hunter e Sparx devem então se arriscar por quatro cantos para salvar o dia. As gemas têm um papel mais significativo no último título da trilogia, já que as recompensas constantemente oferecidas pelo avarento Moneybags são mais úteis em nossa jornada. Por outro lado, muito de nosso progresso é ditado pelo número de gemas coletadas, o que pode ser maçante. A quantidade de minigames oferecidos é maior que a de seu antecessor, em especial pela presença de outros personagens jogáveis que são desbloqueados. Cada um dos novos membros de nosso grupo tem habilidades específicas que mudam a maneira como devemos abordar inimigos ou até mesmo encarar desafios lógicos.
Spyro Reignited Trilogy: a versão definitiva da trilogia original
Mesmo dando a cara a tapa nas duvidosas entradas da série Skylanders, o dragãozinho roxo apareceu novamente em Spyro Reignited Trilogy para uma celebração em alto estilo, com tudo que uma boa remasterização pode e deve oferecer. O fato de três jogos estarem disponíveis em um único pacote já é um motivo para convencer os velhos fãs a adquirirem esta versão. Toda a parte gráfica foi refeita, desde as texturas dos ambientes planos até a modelagem dos personagens. Cada personagem ainda é distinguível quando comparado à época do PS1, mas todos foram feitos com muito mais detalhes. É visualmente agradável curtir estes jogos ainda em 2018, pois eles eram bonitos para a época de lançamento por suas cores e formas bem utilizadas para ambientar o cenário. A presença de um mapa ajuda muito os marinheiros de primeira viagem: é intuitivo o bastante para ajudar e garantir acessibilidade, mas pode ser desativado a qualquer momento para não estragar a experiência dos veteranos exigentes. A única grande ressalva fica por conta das legendas, que marcam sua ausência tanto em inglês como em português (sim, em pleno ano de 2019). Os saltos de precisão, que colocam à prova toda a habilidade do jogador, ainda fazem parte da experiência de plataforma e foram trazidos com toda a fidelidade dos jogos originais.