Diferente dos lançamentos do ano passado, que vieram tanto para a novos como consoles antigos, The Medium tem o maior diferencial o fato de ser criado 100% direto no Xbox Series X, visando a performance otimizada. Por possuir também uma proposta singular de jogabilidade, entendemos de antemão as exigências da plataforma, mas será que o game vale mesmo a pena? Pude jogá-lo com antecedência e te conto aqui neste review tudo a respeito de The Medium, a grandiosa estreia de terror no Xbox. Todas as imagens a seguir foram capturadas por mim, no modo padrão de captura de tela do Xbox Series X, sem edições.
Enredo
Em The Medium, você controla Marianne, uma jovem que aparentemente está acostumada há um bom tempo com sua sensibilidade paranormal de médium – ou seja, ela se comunica com espíritos e tem contato direto com outra dimensão. Na visão dela, existe uma delimitação clara entre mundos: o espiritual e o material. Com uma habilidade psíquica, Marianne pode então explorar este plano paralelo à nossa realidade, que funciona como uma cópia sombria, onde (como o jogo explica) “tudo aquilo que reprimimos pode tomar forma“. Após um acontecimento trágico, entendemos a infeliz rotina da protagonista e mergulhamos de cabeça (e alma) nesta narrativa soturna. Como surpresa, ela recebe uma ligação telefônica que quase torna obrigatória a busca por respostas. O cenário? Um resort abandonado e claramente mal-assombrado, onde precisamos enfrentar uma atmosfera densa e repleta de mistérios. A partir daí, embarcamos em uma jornada que intercala ambos os mundos, incentivando a exploração em cada canto, em prol de resolver quebra-cabeças, encontrar itens secretos, ler textos que contribuam para a lore do jogo e escapar de entidades que querem tornar sua vida mais difícil. O que surpreende gamers acostumados com certo ritmo de jogos modernos – e é uma informação bem previsível para quem já jogou outros do gênero – foi descobrir que The Medium tem estimadas 10 horas de jogatina. Mesmo que você assista todas as cutscenes (cinemáticas) iniciais, leva menos de uma hora de jogo entre aprender uma mecânica e aplicá-la em múltiplos níveis e contextos desafiadores. Dessa forma, fica fácil imaginar que o jogo “só” se passará em um único cenário, mas posso adiantar para você, caro leitor, que surpresas tomam conta do desenrolar deste enredo sobrenatural.
Jogabilidade
Tratando de gameplay, é melhor abordar de prontidão o “elefante na sala”, que é a jogatina simultânea em dois mundos. Os cenários seguem a mesma arquitetura, porém há uma distinção clara entre esquemas de cor e atmosfera como um todo. Em dado momento, Marianne tem fortes dores de cabeça e a tela então se divide – assim como a consciência e espírito dela. A depender do que estiver acontecendo, você pode optar por focar em qualquer lado, o que resulta na visão escolhida tomar 3/4 da tela. Por conta da limitação das estruturas em diferentes ambientes, logo nota-se que nem todas as passagens e plataformas são compartilhadas nos dois planos, o que te obriga a ter uma “experiência fora do corpo” (projeção da consciência) para controlar somente a “Marianne negativa”. Isso permite que você resolva puzzles e volte ao corpo, com um objeto em mãos ou uma alavanca ativada, por exemplo. Mesmo que seja o maior atrativo do game, para deixar este momento único de The Medium ainda mais especial, a desenvolvedora optou por tornar apenas 30% do jogo habilitado para a habilidade psíquica. Isso significa que mais ou menos três horas se passam nesta divisão. O restante, em sua esmagadora maioria acontece só no mundo material. Detalhe que, em cutscenes, a separação costuma mudar de maneira fluida ao cenário, mas na maioria dos momentos onde estamos sob controle de Marianne a divisória é vertical. Falando sobre exploração dos cenários, temos um aspecto de jogabilidade onde não há nada que possa ser feito para se distanciar dos antecessores. Vá a um cômodo, investigue itens, colete documentos de texto, encontre chaves e assim por diante. O twist bidimensional, contudo, dá uma camada extra para objetos que existem exclusivamente de “um lado”. Para você quebrar uma corrente no mundo real, por exemplo, precisa fazer uma série de ações no mundo espiritual e interagir com um cômodo onde você encontrará um alicate. Um sistema presente em jogos há décadas que marca presença em The Medium é o “modo detetive”, onde o ambiente geralmente perde a cor e é dado maior destaque a objetos com os quais você pode interagir. Visto que o objetivo neste jogo é exploração, às vezes você precisa seguir rastros, por exemplo. Em outros momentos, deve identificar itens sobrenaturais que, sem essa sensibilidade ativada, parecem objetos comuns. Ao longo do jogo, a obrigação de usar esta função ocorre nas doses certas. Após checar seu inventário, você consegue examinar e combinar itens, mecânica introduzida nos primeiros minutos. Por sinal, o primeiro contato do jogador com as mecânicas novas (e novos conceitos de quebra-cabeças) acontece de maneira bastante fluida, sem parecer que é só um tutorial. Destaco que, muitas vezes, fui impedido de investigar um objeto por precisar esperar a conclusão do monólogo de Marianne – às vezes chegam a ser comentários supérfluos, mas discuto mais no tópico seguinte. Ademais, este pilar do jogo não tem falhas. Alguns itens são tratados como colecionáveis, como o Eco (uma luz emitida de certos objetos que você examinar) e a Lembrança Fragmentada (objeto visto em uma dimensão que traz lembranças na outra). Isso contribui para o fator de replay do jogo, tendo como referência jogadores que “precisam” de todos os itens para extrair todo o conteúdo disponível em títulos de exploração como The Medium. Retomando o tópico “câmera”, notei uma peculiaridade incontornável ao falarmos deste jogo. Sabe-se série Resident Evil com certeza ajudou a popularizar o sistema de câmera fixa, que pode até ter ângulos que sigam o jogador, mas fica presa a um único ponto do cenário, similar a uma câmera de segurança. Nada surpreende que The Medium siga os passos do pioneiro game de terror, então, e siga com uma lógica similar: a câmera sempre segue a protagonista, mas é como se corresse por trilhos, nunca estando sob controle do jogador. Ponto positivo, pois a Bloober Team soube pegar a receita do clássico, abandonada com o passar dos anos (e remakes) de Resident Evil, e aplicaram em um título moderno de 2021. A imersão está ali, isso não podemos negar. Porém, em termos de jogabilidade, há um certo ponto que deveria ser levado em conta: o controle adaptado com base em contexto. Para explicar melhor, vamos supor: a câmera mostra um corredor e a personagem de costas; você entra em um quarto à esquerda; a câmera muda o posicionamento para dentro do quarto, mas seu comando de “virar à esquerda” agora faz com que a personagem siga em frente. A menos que você solte o analógico e retome a direção, o contexto do joystick é o mesmo quando você estava na cena anterior. Certos games antigos com câmera fixa, como o aclamado Grim Fandango em versão remasterizada, permitiam trocar estes controles da câmera (seja ligar ou desligar a adaptação automática), uma função simples do menu. Admito que esse é um detalhe de jogatina em The Medium que eu só notei por passar horas nos títulos/franquias citados, mas um game em plena década de 2020 já deveria ter funções adequadas ao jogador – ou, no mínimo, a opção de desligar tal função. Exceto por este ponto, a personalização de comandos merece ser citada, com atalhos possíveis para qualquer botão ser remapeado (algo que também pode ser feito dentro do próprio Xbox), de maneira bem fácil. Em termos de acessibilidade, The Medium acerta neste ponto e também na opção de segurar/pressionar botões para certas ações, mas peca em ajuste de brilho/contraste e outros aspectos voltados para gamers com deficiências visuais e físicas.
Visual, áudio e imersão
A arquitetura do mundo material precisa ser reconhecida enquanto você aprecia o universo do game. A direção de arte acertou em cheio ao transmitir, com um puro design de ambientes, tanto o sentimento de conforto como o de pavor absoluto. Fato curioso: obras do artista polonês Zdzislaw Beksinski (que já teve suas artes reaproveitadas em capas de black, death e industrial metal) foram usadas como referência para o game. Quando vemos pelo mesmo ponto de vista as duas realidades simultâneas, detalhes sutis podem te dar calafrios. Não há muitos jumpscares (sustos explícitos); ao invés disso, The Medium opta por construir a imersão que assombra o subconsciente do jogador. Texturas e iluminação do plano espiritual foram o que tornaram toda a experiência mais sombria. Há inimigos para reforçar o medo, porém, certos comentários da protagonista descrevendo o que ela sente somam para resultar em uma criação ótima da atmosfera. Não vou me esquecer tão cedo da primeira vez que precisei cortar uma porta feita de pele (humana?) para liberar a passagem. Em particular, a nostalgia tomou conta da minha jogatina de The Medium. A câmera e a proposta de duas dimensões me faz lembrar muito o pouco conhecido Silent Hill: Origins, jogo que me assustou na adolescência e foi lançado há mais de uma década. Poder aproveitar um título que aplica este e outros “acertos” de jogos de terror clássicos me satisfez ao longo da narrativa. A trilha sonora de ambos os jogos, por sinal, foi composta pelo ilustríssimo Akira Yamaoka, um mestre no que faz desde seu trabalho com o primeiro Silent Hill. Mesmo com estes elogios, me desaponta ver que o ponto principal do jogo, chamado por Marianne de “fenda” (divisão entre dois mundos), tem uma justificativa exageradamente conveniente. Sem necessidade de dizer se há uma explicação ou falta dela no decorrer da história, vejo a necessidade de transcrever uma fala introdutória da própria protagonista em poucas horas de jogo: “se um lugar tem uma história para contar, eu estarei lá para ouvi-la“. Em outras palavras, se os desenvolvedores acharem que é favorável a fenda acontecer naquele momento do game, ela acontece. Exceto por isso, tudo o que é construído em termos de audiovisual em The Medium tem boas intenções. Marianne às vezes exagera em comentários, mas a escrita e a atuação são boas; o vilão Papão é dublado por ninguém menos que Troy Baker, premiado, excelente ator e presente em qualquer franquia gamer imaginável; e o design de som contribui para criação do universo, mesmo que em termos gráficos o jogo desaponte vez ou outra.
Como é The Medium no Xbox Series X?
Demorou quase três meses, mas finalmente temos o primeiro grande game feito inteiro visando performance no Xbox Series X. Como dito anteriormente, The Medium é um exclusivo da plataforma na nova geração, que ganhou também uma versão para PC. Talvez limitá-lo só aos consoles novos fosse um tiro no pé, mas lembre-se: para quem assina o Game Pass, o jogo entra na biblioteca sem custo adicional. Até o momento deste review ir ao ar, o serviço de assinatura de jogos ainda está na promoção de “três meses por R$5”, o que não deve nem ser pensado duas vezes. Nesta dimensão toda, o mínimo que um gamer interessado no jogo deve fazer é supor que a performance seja digna “de nova geração”, certo? É neste ponto que podemos desconstruir um pouco o que seria um jogo ideal da geração atual de consoles. Talvez deva trazer gráficos, reflexos e sombras ultrarrealistas? Ou só ter animações convincentes? Ou, quem sabe, só precise ter uma performance boa de taxa de frames? Se The Medium deveria preencher estas lacunas em específico, sinto muito em dizer que ele não preenche nenhuma. Cenários e posicionamento de câmera impõem cenas cinematográficas, isso era o mínimo de se esperar. Por mais que as texturas sejam nojentas e tenham boa referência artística, eu me senti jogando um game da geração passada. Mesmo que este seja um jogo lançado logo pós-transição, Gears 5 e Forza Horizon 4 (ambos exclusivos da geração anterior, otimizados para a nova) são o pico de qualidade gráfica e de taxa de frames. Mesmo que o jogo não atenda estas expectativas, ele tem um estilo gráfico próprio. Quando você está entregue e imerso, na própria jogatina qualquer “engasgada” gráfica ganha foco. Sombras e texturas serrilhadas não fazem parte do jogo, por exemplo, mas mesmo assim existem. A inteligência artificial, o maior defeito de outro recente jogo, às vezes desaponta também. E ok, pelo menos o jogo tem uma performance boa em termos de frame rate? Não é preciso jogar muito, pois na primeira hora de The Medium (antes de chegar no momento da sinopse, citada acima) congelamentos e queda de frames aconteceram. Quase todas foram entre mudanças de cenário ou no meio de cutscenes não muito exigentes de performance – uma única dimensão, sem muitas partículas/texturas. Me surpreende que, mais à frente, junto das ocorrências da fenda, o game tenha se mantido consistente em não pecar performance. Importante citar também: foram cerca de 15 segundos de loading para jogo salvo, acessíveis via menu inicial ou menu de pause. O mais estranho é esse tempo se manter, mesmo que estivesse em um checkpoint segundos antes de carregá-lo (o que aconteceu uma vez com a espécie de “boss” no meio do game). Por referência, outros jogos que testei no mesmo console, como Assassin’s Creed Valhalla e Immortals Fenyx Rising levaram metade do tempo para carregar mapas enormes de mundo aberto. Os exclusivos do console Gears e Forza também foram ágeis assim. É triste afirmar, mas tratando de The Medium, um jogo que foi vendido com a proposta de proporcionar uma experiência refinada para o Series X, a otimização foi terrível. Em certo momento, inclusive, a personagem ignorou meus controles após carregar o jogo. Precisei pausar e fazer outro load – onde entendi que ela deveria estar em animação de corrida, o que não foi “ativado” da primeira vez. Entre glitches visuais e tempo demorado de loading, temos uma compilação de imperfeições que decepcionam a experiência do jogo.
Conclusão
Sem “medo” de errar, The Medium recria fórmulas e reproduz mecânicas de games bem familiares. O título aposta nos acertos destes, tanto em temas como tratando-se de gameplay. A proposta arriscada de lançar um grande título que chega como grande estreia de exclusivo para a Microsoft coloca um peso que o jogo não teria, caso fosse multiplataforma. Tem acertos, mas frustra quem gostaria de uma jogatina digna de “nova geração”. The Medium será lançado em 28 de janeiro, para PC e para Xbox Series X e S – incluso no Game Pass, assinatura de games da plataforma ou vendido à parte por R$166,45. Hoje (um dia antes) ele ainda está em promoções de pré-venda, por R$ 143,91 na Steam e ligeiramente superior, por R$ 145,79, na loja da Epic. A relação custo-benefício vem à tona quando pensamos na bagatela de cerca de 150 reais por um game de 10 horas. Até aí temos um equilíbrio da concorrente direta (o Spider-Man do ano passado que tinha menos tempo e era ainda mais caro), mas The Medium tem como principal chamativo a criação com base na atual geração, dispensando pela primeira vez os consoles Xbox One/PS4. Por ser fundamentado em puzzles e em uma atmosfera sombria, a tensão toma conta e faz com que o jogo realmente valha a pena, afinal, para grande parte dos jogadores ele chegará virtualmente “de graça”. Mesmo quem pague o preço cheio não sentirá no bolso o peso de um título da geração atual – mesmo porque, em certos aspectos, ele não é. E aí, o que achou do game The Medium? Tem Game Pass e irá baixá-lo logo na quinta-feira? Conte para a gente nos comentários!